terça-feira, 13 de junho de 2017

‘O trabalho infantil perpetua a pobreza’, defende procuradora do Trabalho



Contrariando leis nacionais e acordos internacionais, o trabalho infantil ainda é realidade para 2,7 milhões de crianças e adolescentes em todo o Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles estão no campo, nos semáforos, nos lixões ou exercendo tarefas domésticas. Comemorado em 12 de junho, o Dia de Combate ao Trabalho Infantil é uma data de mobilização em vários países. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, a data foi lembrada em audiência pública com representantes do Ministério Público do Trabalho, do governo local, de conselhos tutelares e de militantes dos direitos das crianças e dos adolescentes.

A vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ana Cláudia Rodrigues de Monteiro, ressalta que o trabalho infantil deve ser uma pauta permanente de toda a sociedade, visto caber ao Estado e às famílias proteger as crianças de qualquer violação de direitos. E, em sua opinião, o trabalho infantil é uma das piores violações: "Ele afasta a criança da escola, de brincar e de conviver com outras de sua idade".

Ainda segundo a procuradora, as pessoas que começam a trabalhar precocemente, privadas de um desenvolvimento físico, psíquico e intelectual adequado, geralmente não conseguem acessar boas condições de trabalho no futuro. "O trabalho infantil é uma forma de perpetuar a situação de miséria e pobreza", defende.

Esse argumento foi apresentado por vários participantes da audiência pública para desconstruir ideias como a de que crianças trabalham para ajudar a família ou de que "quem começa a trabalhar desde cedo não vira bandido". "Não podemos admitir que para uma criança pobre só reste o trabalho infantil ou a criminalidade", continua Ana Cláudia Monteiro.

Para Yuri Soares, da CUT/DF, a exploração de mão de obra infantil geralmente resulta em trabalhadores menos qualificados e na precarização das relações de trabalho. A partir de um quadro histórico do sistema capitalista, o sindicalista coloca o trabalho infantil na gênese do próprio capitalismo, quando crianças eram exploradas nas carvoarias e fábricas de tecelagem da Inglaterra.  "O trabalho infantil penaliza a classe trabalhadora como um todo", argumenta, elencando questões como a consequente redução de salários e a elevação do índice de desemprego entre pessoas mais velhas – substituídas por crianças e adolescentes – e o fato de que a criança explorada será da própria classe trabalhadora.

Mudança cultural – Com o objetivo de combater a exploração do trabalho de meninos e meninas – naturalizada no Brasil – e de romper com o ciclo vicioso de crianças pobres que crescem sem direito à infância e que, muitas vezes, no futuro, repetem essa situação com seus filhos, é preciso mudar mentalidades e aspectos culturais. "Esse é um dos cenários mais difíceis de combater", afirma o secretário-adjunto de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do DF, Antônio Carlos Filho, para quem é essencial sensibilizar a sociedade como um todo.

À frente da audiência pública, o deputado Chico Vigilante (PT) contou ter começado a trabalhar aos oito anos de idade. Ele citou, ainda, outras histórias corriqueiras, a exemplo de famílias que buscam crianças e adolescentes no interior do País para trabalharem em suas casas, e elencou casos de exploração sexual infanto-juvenil verificados em 1994, na CPI do Trabalho Infantil.  "Precisamos nos irmanar contra essas práticas devastadoras. Lugar de criança não é no chão da fábrica nem vendendo amendoim ou água no semáforo, é na escola", prega o distrital.

Educação – Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes da Silva, o combate ao trabalho infantil passa, necessariamente, pela escola. "A educação é um direito basilar, essencial para o processo de empoderamento das crianças para reivindicarem os demais direitos", defende.

Citando os princípios de que todos são iguais perante a lei e que os desiguais não devem ser tratados como iguais, a professora aponta que as crianças que trabalham não têm as mesmas oportunidades que as que não trabalham e, por isso, são necessários mecanismos que permitam, não apenas o acesso à educação, mas também a permanência na escola.

A questão do acesso à educação pública e de qualidade foi levantada também por outros participantes da audiência pública desta manhã. Um dos pontos defendidos diz respeito à garantia de matrícula em creches.  "Isso evita que a criança mais velha de uma família tenha de cuidar dos irmãos mais novos enquanto os pais trabalham, o que é bem comum", diz Yuri Soares, da CUT. No Brasil, de acordo com a professora Edileuza da Silva, o déficit de vagas em creches é de R$ 2,4 milhões.

Críticas – O procurador do Ministério Público do Trabalho Paulo Neto aproveitou a comemoração do Dia de Combate ao Trabalho Infantil para cobrar "efeitos práticos" das discussões promovidas em torno da data. Ele lamentou a falta de infraestrutura e de pessoal nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), fundamentais para combater essa e outras violações de direitos: "O CRAS é a porta de entrada para as políticas públicas de assistência social. Eles fazem o cadastramento de famílias em situação de vulnerabilidade e fazem transferência de renda".

De acordo com o procurador, apenas um CRAS funciona com a equipe completa no DF. "Sem equipe mínima para cadastrar no Bolsa Família, o Distrito Federal deixou de receber mais de R$ 5 milhões", afirma. Ainda segundo Paulo Neto, as pessoas que não puderam ser atendidas pelos centros de referência, por falta de pessoal, somam mais de 8 mil.

O procurador fez um apelo ao deputado Chico Vigilante para ajudar com a questão, em especial no que diz respeito ao preenchimento dos cargos vagos na área de assistência. "Não vemos interesse por parte do Estado, talvez porque não dê votos", critica.

Legislação – A legislação internacional define trabalho infantil como aquele em que meninos e meninas são obrigados a efetuar qualquer tipo de atividade econômica, remunerada ou não, que afete seu bem-estar e o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.

A Constituição Federal proíbe a execução de qualquer trabalho por pessoas com menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Nesse caso, o trabalho não pode ser noturno, perigoso ou insalubre, mesmo para os maiores de 16 e menores de 18 anos. Além disso, as atividades de aprendizagem não podem prejudicar nem a frequência nem o rendimento escolar do adolescente. O direito à profissionalização e à proteção no trabalho para os aprendizes também está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


Denise Caputo - Coordenadoria de Comunicação Social