Contrariando
leis nacionais e acordos internacionais, o trabalho infantil ainda é realidade
para 2,7 milhões de crianças e adolescentes em todo o Brasil, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles estão no campo,
nos semáforos, nos lixões ou exercendo tarefas domésticas. Comemorado em 12 de
junho, o Dia de Combate ao Trabalho Infantil é uma data de mobilização em
vários países. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, a data foi lembrada
em audiência pública com representantes do Ministério Público do Trabalho, do
governo local, de conselhos tutelares e de militantes dos direitos das crianças
e dos adolescentes.
A
vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ana
Cláudia Rodrigues de Monteiro, ressalta que o trabalho infantil deve ser uma
pauta permanente de toda a sociedade, visto caber ao Estado e às famílias
proteger as crianças de qualquer violação de direitos. E, em sua opinião, o
trabalho infantil é uma das piores violações: "Ele afasta a criança da
escola, de brincar e de conviver com outras de sua idade".
Ainda
segundo a procuradora, as pessoas que começam a trabalhar precocemente, privadas
de um desenvolvimento físico, psíquico e intelectual adequado, geralmente não
conseguem acessar boas condições de trabalho no futuro. "O trabalho
infantil é uma forma de perpetuar a situação de miséria e pobreza",
defende.
Esse
argumento foi apresentado por vários participantes da audiência pública para
desconstruir ideias como a de que crianças trabalham para ajudar a família ou
de que "quem começa a trabalhar desde cedo não vira bandido".
"Não podemos admitir que para uma criança pobre só reste o trabalho
infantil ou a criminalidade", continua Ana Cláudia Monteiro.
Para Yuri
Soares, da CUT/DF, a exploração de mão de obra infantil geralmente resulta em
trabalhadores menos qualificados e na precarização das relações de trabalho. A
partir de um quadro histórico do sistema capitalista, o sindicalista coloca o
trabalho infantil na gênese do próprio capitalismo, quando crianças eram
exploradas nas carvoarias e fábricas de tecelagem da Inglaterra. "O trabalho infantil penaliza a classe
trabalhadora como um todo", argumenta, elencando questões como a
consequente redução de salários e a elevação do índice de desemprego entre
pessoas mais velhas – substituídas por crianças e adolescentes – e o fato de
que a criança explorada será da própria classe trabalhadora.
Mudança
cultural – Com o objetivo de combater a exploração do trabalho de meninos e
meninas – naturalizada no Brasil – e de romper com o ciclo vicioso de crianças
pobres que crescem sem direito à infância e que, muitas vezes, no futuro,
repetem essa situação com seus filhos, é preciso mudar mentalidades e aspectos
culturais. "Esse é um dos cenários mais difíceis de combater", afirma
o secretário-adjunto de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do
DF, Antônio Carlos Filho, para quem é essencial sensibilizar a sociedade como
um todo.
À frente da
audiência pública, o deputado Chico Vigilante (PT) contou ter começado a
trabalhar aos oito anos de idade. Ele citou, ainda, outras histórias
corriqueiras, a exemplo de famílias que buscam crianças e adolescentes no
interior do País para trabalharem em suas casas, e elencou casos de exploração
sexual infanto-juvenil verificados em 1994, na CPI do Trabalho Infantil. "Precisamos nos irmanar contra essas
práticas devastadoras. Lugar de criança não é no chão da fábrica nem vendendo
amendoim ou água no semáforo, é na escola", prega o distrital.
Educação –
Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes da
Silva, o combate ao trabalho infantil passa, necessariamente, pela escola.
"A educação é um direito basilar, essencial para o processo de
empoderamento das crianças para reivindicarem os demais direitos",
defende.
Citando os
princípios de que todos são iguais perante a lei e que os desiguais não devem
ser tratados como iguais, a professora aponta que as crianças que trabalham não
têm as mesmas oportunidades que as que não trabalham e, por isso, são
necessários mecanismos que permitam, não apenas o acesso à educação, mas também
a permanência na escola.
A questão do
acesso à educação pública e de qualidade foi levantada também por outros
participantes da audiência pública desta manhã. Um dos pontos defendidos diz
respeito à garantia de matrícula em creches.
"Isso evita que a criança mais velha de uma família tenha de cuidar
dos irmãos mais novos enquanto os pais trabalham, o que é bem comum", diz
Yuri Soares, da CUT. No Brasil, de acordo com a professora Edileuza da Silva, o
déficit de vagas em creches é de R$ 2,4 milhões.
Críticas – O
procurador do Ministério Público do Trabalho Paulo Neto aproveitou a
comemoração do Dia de Combate ao Trabalho Infantil para cobrar "efeitos
práticos" das discussões promovidas em torno da data. Ele lamentou a falta
de infraestrutura e de pessoal nos Centros de Referência de Assistência Social
(CRAS), fundamentais para combater essa e outras violações de direitos: "O
CRAS é a porta de entrada para as políticas públicas de assistência social.
Eles fazem o cadastramento de famílias em situação de vulnerabilidade e fazem
transferência de renda".
De acordo com
o procurador, apenas um CRAS funciona com a equipe completa no DF. "Sem
equipe mínima para cadastrar no Bolsa Família, o Distrito Federal deixou de
receber mais de R$ 5 milhões", afirma. Ainda segundo Paulo Neto, as
pessoas que não puderam ser atendidas pelos centros de referência, por falta de
pessoal, somam mais de 8 mil.
O procurador
fez um apelo ao deputado Chico Vigilante para ajudar com a questão, em especial
no que diz respeito ao preenchimento dos cargos vagos na área de assistência.
"Não vemos interesse por parte do Estado, talvez porque não dê
votos", critica.
Legislação –
A legislação internacional define trabalho infantil como aquele em que meninos
e meninas são obrigados a efetuar qualquer tipo de atividade econômica,
remunerada ou não, que afete seu bem-estar e o desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social.
A
Constituição Federal proíbe a execução de qualquer trabalho por pessoas com
menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Nesse
caso, o trabalho não pode ser noturno, perigoso ou insalubre, mesmo para os
maiores de 16 e menores de 18 anos. Além disso, as atividades de aprendizagem
não podem prejudicar nem a frequência nem o rendimento escolar do adolescente.
O direito à profissionalização e à proteção no trabalho para os aprendizes
também está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Denise
Caputo - Coordenadoria de Comunicação Social