Os colegas de Sandra Mendes, 51 anos, costumam dizer que ela
trabalha 24 horas por dia. “Eu não queria, mas é automático”, ela justifica. E
conta que tanto comprometimento não é de hoje. “Desde os tempos da faculdade é
assim. Eu me entrego totalmente.” A rotina profissional da servidora pública
começa nas primeiras horas da manhã e dura até a última hora do dia. “Eu acordo
e vou para a internet ver os e-mails. Mesmo depois que saio do trabalho, ligo
para lá. E, antes de dormir, abro os e-mails mais uma vez para ver se tem
alguma coisa nova que eu posso adiantar para o dia seguinte”, descreve.
Os sábados e domingos, apesar de serem dedicados às “coisas
de casa”, também são ocupados com trabalho. “Eu sempre falo que não vou fazer,
mas não adianta.” Folga, como se vê, não existe no vocabulário da servidora.
Mesmo de férias, ela atende telefonemas profissionais e checa e-mails. As
filhas são as primeiras a protestar. “Elas odeiam. É só atender o celular que
elas reclamam: ‘Já vai começar a falar de trabalho’.”
A aposentadoria estava prevista para o início de 2012, mas
ela não conseguiu se desprender do trabalho. Segundo Sandra, quando chegou a
hora, decidiu se dedicar ao serviço por mais um ano, prazo que vem sendo
estendido desde então. A meta agora é parar em 2015, conforme promessa feita
para a família. A convicção, contudo, não é muito forte. “Vamos ver se eu
consigo.” E, então, ela revela o que a impede de tomar a decisão: “Eu tenho que
sair. Acho que já está na hora. Mas eu fico com medo de aposentar e não ter o
que fazer”.
Apesar do ritmo intenso, a servidora diz não sentir
prejuízos à saúde. “Nunca tive problemas por causa disso. Eu trabalho porque
gosto, acho que me distrai”, explica. Sandra acredita que as atividades fora do
escritório ajudam a garantir o bem-estar. “Eu faço caminhada e tento descansar.
Vou com as amigas para o parque, ficamos conversando”, conta.
Ufa! Há, então, momentos em que Sandra se desliga do
trabalho. E eles são cruciais. Segundo especialistas, mesmo o mais entusiasmado
dos profissionais precisa de tempo para se dedicar a outras coisas. De acordo
com Marco Antônio de Azevedo, professor de psicologia do trabalho e gestão de
recursos humanos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-Minas), atividades de lazer são fundamentais para quem tem dificuldade de
se afastar do serviço. “É importante procurar atividades que dão prazer. Ler,
ir ao cinema, conversar com os amigos e a família; uma atividade espiritual
também ajuda”, enumera o especialista. “E praticar um esporte. Mas não adianta fazer
um exercício físico porque é obrigado”, completa.
'Eu acordo e vou para a internet ver os e-mails. Mesmo
depois que saio do trabalho, ligo para lá. E, antes de dormir, abro os e-mails
mais uma vez para ver se tem alguma coisa nova que eu posso adiantar para o dia
seguinte' - Sandra Mendes, 51 anos, servidora pública (Oswaldo Reis/CB/D.A
Press)
"Eu acordo e vou para a internet ver os e-mails. Mesmo
depois que saio do trabalho, ligo para lá. E, antes de dormir, abro os e-mails
mais uma vez para ver se tem alguma coisa nova que eu posso adiantar para o dia
seguinte" - Sandra Mendes, 51 anos, servidora pública
Mente sã
Quem se dedica muito ao trabalho precisa tomar cuidado. Para
esses, é útil avaliar o que leva a tanta dedicação. Se o motivo for uma cobrança
excessiva de si mesmo, o sinal de alerta está aceso. Algumas pessoas impõem-se
metas tão altas que acabam exagerando na dose. E, aí, o risco de a saúde mental
ser afetada aumenta. O risco é acabar sendo forçado a parar por esgotamento.
“Os prejuízos podem ser esgotamento, desânimo, descomprometimento e falta de
entusiasmo com o trabalho e com a vida em geral. Algumas pessoas acabam tendo
depressão”, alerta Azevedo.
O psicólogo do trabalho observa que a sobrecarga de trabalho
pode ter origem na maneira como as empresas estabelecem metas, exigindo demais
de seus funcionários. “Eu acho que está na hora de repensarmos as formas de
gestão e ouvirmos mais os empregados para tornarmos o trabalho mais prazeroso.
Está na hora de as empresas adotarem um estilo de gestão que considere mais a
opinião dos funcionários”, defende.
Lauro Jurgeatis, 49 anos, também não consegue se desligar do
trabalho com facilidade. Empresário da área de tecnologia há 19 anos, ele
acredita que esquecer as obrigações é uma tarefa mais complicada para os donos
do próprio negócio. “O empresário fica ligado quase 24 horas por dia.” Atento a
essa tendência, o empreendedor busca no ciclismo um refúgio que o ajuda a tirar
os assuntos do escritório da cabeça. “Eu acho que a gente só consegue relaxar
um pouco quando se ocupa com outras atividades, como praticando exercícios
físicos.”
Além de pedalar, Lauro se dedica a uma fazenda da qual é
proprietário. “É uma válvula de escape. Uma atividade muito mais prazerosa
porque eu gosto da natureza”, diz. A atividade acabou se tornando outra fonte
de renda, mas não deixou de ser uma maneira de esquecer os assuntos da empresa.
“É interessante se o profissional tiver a oportunidade de dedicar tempo a uma
prática prazerosa, mesmo que seja um outro trabalho. Eu acredito que há um
impacto se você trabalha excessivamente. Pode atrapalhar o sono, alimentação,
por exemplo; e futuramente, a saúde também”, acrescenta.
Aprendizado
Psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB),
Raphael Boechat lembra a importância de um tempo livre para qualquer
profissional. “É necessário se distanciar. Em países como a Alemanha, é
obrigatório tirar férias porque os chefes sabem que não adianta ter um
funcionário estressado, que não vai produzir.” E há vários prejuízos à saúde
ligados à sobrecarga no serviço: imunidade baixa, males cardíacos e problemas
relacionados à ansiedade são alguns deles.
Os casos de pacientes que chegam ao consultório do
psiquiatra esgotados por causa do trabalho são muitos, mas, geralmente, as
pessoas só procuram ajuda depois de algo grave acontecer, como um enfarte ou
uma batida de carro após dormir ao volante. Boechat ressalta que o excesso de
trabalho pode resultar em um nível de estresse elevado, levando ao
desenvolvimento da síndrome de burnout. “A síndrome é mais comum em pessoas que
trabalham muito com o público. Profissões como professores, médicos são algumas
delas”, afirma o médico.
Para alguns profissionais, a capacidade de parar de pensar
no trabalho durante as horas de folga é adquirida em um processo gradual, até
que passa a fazer parte da rotina. O professor de educação física Elvis Lara,
24 anos, começou a buscar formas de equilibrar trabalho e vida pessoal quando
ainda era estudante. “Eu fui ganhando experiência com o tempo. Desde que fazia
estágio, fui observando e aprendendo com outros professores”, lembra.
A dica dele é fazer uma lista das tarefas do dia. “Antes de
ir para a aula, faço um planejamento do que preciso fazer. Sempre tento
resolver tudo no trabalho. No fim do dia, vejo se consegui produzir tudo.” A
estratégia faz com que pouco trabalho seja levado para casa. Algumas vezes,
porém, isso acaba sendo inevitável. “Às vezes, por exemplo, precisamos planejar
um aulão na academia, mas não dá para fazer no trabalho, onde é muito movimentado.
Aí, fazemos em casa mesmo.”
Elvis está convencido de que separar a vida profissional da
pessoal é fundamental para o bem-estar. “Eu acho que só traz benefícios. Seu
dia a dia melhora muito, o estresse em casa diminui. Se você acumula muitas coisas
do trabalho, acaba ficando com aquela pilha de problemas.”
O professor conta que muitos de seus clientes chegam à
academia e mesmo assim não tiram a cabeça do escritório. “Sempre pergunto para
os alunos como foi o dia deles, se eles trabalharam muito. Alguns falam que foi
um dia cheio e que estão na academia para diminuir o estresse”, conta. Para
ajudar essas pessoas, ele estimula a prática da atividade física. “Manter a
atividade física após o trabalho é um ótimo elemento para ter uma qualidade de
vida melhor. Em alguns alunos, a melhora (do rendimento no trabalho) com a
atividade física é 100%”, garante.
Nível máximo
Síndrome de burnout é o nível máximo de estresse
profissional. Os principais sintomas são dores musculares e de cabeça, perda de
iniciativa, alterações de humor e de memória, distúrbios do sono, dificuldade
de concentração, falta de apetite e fadiga. O tratamento é feito com o uso de
antidepressivos, de remédios para ansiedade e de terapia. Em alguns casos, o
paciente precisa ser afastado do trabalho.
Como diminuir a pressão
- Pratique atividades físicas regurlamente
- Durma e alimente-se bem
- Reserve as horas livres para um hobby e para o lazer
- Evite se cobrar além do limite mental e físico
- Escute o que os colegas e familiares falam sobre sua
relação com o trabalho
- Avalie o quanto seu comprometimento com o trabalho
interfere no bem-estar e na saúde mental e física, buscando formas de reduzir a
carga caso haja excesso